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As Grandes Novidades da Literatura Portuguesa


Ainda os melhores de 2015

2015: os melhores livros do primeiro semestre

Textos e escolas: JOÃO SANTANA DA SILVA e NUNO GALOPIM

Tal como aqui já apresentámos com os discos e os filmes, terminamos este breve balanço do que de mais interessante fomos encontrando nos primeiros seis meses do ano com escolhas da oferta da produção livreira.

JOÃO SANTANA DA SILVA:

O ano começou marcado por dois grandes acontecimentos, um dos quais se perpetua, até hoje, sem solução à vista. Por um lado, a crise na Grécia, personalizada no partido Syriza mas herdado dos anteriores governos, quer o da Nova Democracia de Samaris, quer o do PASOK. Por outro, e mais próximo da Península Ibérica, o atentado terrorista em Paris, que vitimou jornalistas e ilustradores do semanário satírico Charlie Hebdo em nome da fé islâmica e do péssimo sentido de humor de Maomé. Ligado a este último evento, surgiu o hype literário e comercial de Submissão, último romance do francês Michel Houellebecq, que feliz ou infelizmente, coincidiu com os acontecimentos de Paris (terrivelmente, lembrando o mais recente atentado na Tunísia, um outro romance do escritor, Plataforma, já descrevia um atentado numa zona turística da Ásia). Mesmo que Submissão não seja um romance inesquecível, fica-nos a faltar um outro bom livro sobre a crise grega. Talvez quando baixar a poeira.

Por cá, apesar da produção de ficção e poesia continuar saudável – há vida em Portugal para além da desesperança e das crises do euro –, foram especialmente felizes as novidades editoriais no ensaio, nas biografias e na reedição de obras (quase) perdidas. Portanto, destacam-se aqui seis livros que representam esse espírito resistente ao air du temps ou aos sempre suspeitos “gostos do público”, que se dividem entre livros sobre empreendedorismo e, a partir da Primavera, discorrendo sobre as inevitáveis dietas.

Em primeiro lugar, marcando o centenário da publicação de Orpheu, há que falar do livro organizado por Steffen Dix, 1915 – O Ano do Orpheu, que reúne ensaios de especialistas e investigadores em várias áreas. O resultado é um livro essencial para se perceber o que foi aquela revista e subsequente movimento. O feito, estética e editorialmente, deve muito à editora, a Tinta-da-China. As editoras Temas & Debates e Círculo de Leitores também nos trouxeram uma excelente obra sobre um país irmão, Brasil – Uma Biografia, que arrisca ser conhecida como a melhor história desse local espantoso um só volume, da autoria da antropóloga Lilia Schwarcz e da historiadora Heloisa Starling. Com um pé no Brasil mas outro em Portugal (e dividindo os dedos das mãos pelas ex-colónias em África), é de assinalar o lançamento de Fado Tropical, de Marcos Cardão, sobre a influência da teoria luso-tropicalista de Gilberto Freyre no nosso país, viajando pelo futebol, pela música e restante cultura popular que tentavam mostrar, na metrópole, os feitos dessa suave e maravilhosa integração dos povos colonizados. A editora (e livraria) Letra Livre devolveu-nos o grande tratado filosófico-político anticolonialista Os Condenados da Terra, da autoria de Frantz Fanon, que tinha ficado perdido nos fundos da antiga editora Ulmeiro. Sem sair dos terrenos da filosofia política, as Edições 70 trouxeram para as estantes portuguesas O Conceito do Político, o livro, inédito entre nós, de um autor controverso que refletiu sobre temas como a atividade de guerrilha ou o conceito de “inimigo”, Carl Schmitt. Seja o leitor de esquerda ou de direita, é um clássico. Por fim, ainda no campo dos inéditos, a Quetzal publicou A Liberdade do Drible, uma coletânea de crónicas de futebol assinadas pelo saudoso e brilhante Dinis Machado quando escrevia no jornal A Bola e noutros locais de respeito. Uma prova de que futebol e erudição podem e devem andar de mãos dadas.

Steffen Dix (org.), “1915 – O Ano do Orpheu” (Tinta-da-China) Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa M. Starling, “Brasil – Uma Biografia” (Temas & Debates / Círculo de Leitores) Marcos Cardão, “Fado Tropical – O Luso-Tropicalismo na Cultura de Massas (1960-1974)” (Edições Unipop) Frantz Fanon, “Os Condenados da Terra” (Letra Livre) Carl Schmitt, “O Conceito do Político” (Edições 70) Dinis Machado, “A Liberdade do Drible” (Quetzal Editores)

 

NUNO GALOPIM:

O ano começou com a contagem decrescente para o lançamento de Submissão, um novo romance do escritor francês Michel Houellebecq que retrata cenários de um futuro próximo no qual, pelo voto francês, um muçulmano chega ao Eliseu. Se o mapa dos acontecimentos reais (dos atentados que a França já viveu este ano aos resultados das eleições locais que mostraram que Sarkozy não é um peão fora do jogo) tornou o jogo de variáveis lançado pela ficção algo difícil de se materializar, já a segunda metade do livro mostra primeiros traços de um cenário de construção de uma nova Europa que, sob uma nova ordem, revela afinal ecos de continuação de uma ideia de unidade com o Mediterrâneo como epicentro lançada há cerca de dois mil anos pelo imperador Augusto. Não se trata aqui de advogar em favor ou contra as premissas e consequências. Mas o levantar de cenários de uma reconstrução europeia é exercício de ficção que ganha sentido de oportunidade num momento em que todo um programa parece estar à beira de se desmoronar, sinais dos tempos de um recuo da política perante o poder da fé nas contas. Submissão pode sugerir uma Europa que muitos não desejamos. Mas mostra como a mudança pode acontecer. E pelo que temos visto nas últimas semanas há sinais de instabilidade deixam claro quão frágil pode ser afinal todo um esforço de construção de uma ideia baseada na liberdade, tolerância e democracia que emergiu dos destroços da II Guerra Mundial. Apesar de muito aquém do bem mais interessante A Possibilidade de Uma Ilha ou do efeito-choque de Partículas Elementares, ler Submissão é um episódio que faz parte da história feita por livros em 2015. Mesmo que parte do romance revele um Houellebeq em piloto-automático e narrativamente não nos conduza a lado algum, a ideia de nos confrontar com algo completamente diferente tem, pelo menos, o saudável efeito de fazer pensar.

Entre a seleção dos livros publicados em 2015 que já li não podia de deixar de destacar o mais recente de Martin Amis, que nos mostra como há ainda histórias para contar 70 anos depois da libertação dos campos de concentração (e neste caso fala-se de Auschwitz).

Entre a não ficção destaco, por um lado, um belíssimo convite a um regresso às salas do Palácio da Ajuda, olhando não apenas para os móveis, objetos decorativos e quadros pendurados nas paredes, mas reparando nas pinturas murais e nas que vemos nos tetos. João Vaz mostra-nos como a história política dos períodos mais intensos de construção do palácio ali ficaram registados, não omitindo mesmo o momento do breve regresso ao poder absoluto durante o reinado de D. Miguel. Uma História do Mundo em 100 Objetos é um outro interessante exercício de memória, partindo de peças das coleções do Museu Britânico para nos recordar fragmentos da história do mundo.

Na BD não têm faltado motivos para folhear as novidades. Um dos melhores títulos do ano convida a visitar o Eliseu – a sede da presiência francesa – através de um olhar pessoal, e crítico, de um desenhador que durante um ano teve acesso àquelas salas e viveu as suas rotinas. Ainda lançado em finais de 2014, mas só disponível nos nossos escaparates este ano, o volume que encerra a tetralogia Aâma revela um dos mais imaginativos (nos planos narrativo e visual) exemplos da ficção científica do pós-milénio.

“Submissão”, de Michel Houellebecq (Alfaguara) “A Zona de Interesse”, de Martin Amis (Quetzal Editores) “A Pintura Mural do Real Paço da Ajuda 1796-1833”, de João Vaz (Scribe) “Uma História do Mundo em 100 Objetos”, de Neil McGregor (Textos & Debates) “Le Château”, de Mathieu Sapin (Dargaud) “Aâma 4: Tu Seras Merveilleuse”, de Frederik Peeters (Gallimard)