João Batista é um jovem escritor e editor português. Com apenas 20 anos, já possui um livro publicado, “O Grito de Quem Chora Lágrimas Azuis”, e é fundador e CEO da editora Livros de Ontem, uma editora que se constitui como plataforma de compra e venda de livros académicos usados, e que aposta na edição de novos autores, dando a cada livro um tratamento especial e único.
Quisemos saber mais sobre o trabalho literário do João, e sobre a editora Livros de Ontem!
Quando é que começaste a escrever?
Comecei a escrever com 17 anos, estava no 12º ano. Foi uma coisa espontânea, nada programada, comecei a escrever uns textos, naquela altura soltos, e depois aquilo começou a evoluir, achei que os textos tinham potencialidade de se interligarem, e surgiu então a possibilidade de fazer o livro, e foi aí que se iniciou o processo, foi o primeiro e único que até agora publiquei, com 18 anos.
Optaste por editar o livro em regime de auto publicação, através da bubok. Porque é que decidiste fazê-lo?
Imprimi por lá, eles não são editora, eles são um print on demand, funciona mais ou menos como uma gráfica, não é propriamente uma editora. Foi uma edição muito pequena, para experimentar, ver como é que era. Naquela altura não tinha a mínima noção do mercado e como é que as coisas funcionavam, então pedi uma edição pequena, para começar a vender, começar a divulgar o meu trabalho.
Nunca enviaste o livro para editoras?
Sim, cheguei a enviar para editoras, antes de publicar com a bubok. Não me satisfez nada a forma como me trataram, como trataram a minha apresentação. Basicamente o que acontecia era que eu enviava os originais com uma carta de apresentação para as editoras, e recebia respostas meses depois, e uma resposta automática, nem sequer era uma resposta de um editor que tivesse lido e analisado a obra, e que me dissesse porque é não iam publicar. Primeiro fiquei com dúvidas que alguém tivesse lido de facto o livro, e depois achei que não era a forma mais correta de tratar os novos autores. Foi essa experiência que me levou a perceber que havia a possibilidade, havia espaço no mercado para lançar uma nova editora, que viesse alterar este tipo de forma de tratamento aos autores, e foi também isso que me levou a criar a editora Livros de Ontem.
Podes falar-nos um pouco sobre a Livros de Ontem e o seu funcionamento?
A editora tem duas vertentes. Nós temos um portal on-line que funciona numa lógica de “classificados”, para as pessoas venderem e comprarem livros académicos usados, do âmbito académico mesmo, e também temos clássicos, porque há cursos onde são necessários, e a ideia é as pessoas venderem e comprarem os livros académicos usados entre si. Noutra vertente, é uma editora de novos autores, uma editora convencional.
Como é que conseguiste criar a editora?
Curiosamente não foi muito difícil. Nós criámos a editora estava eu no primeiro ou segundo ano de faculdade. Naquela altura éramos 3 pessoas, e não fazíamos a mínima ideia do que era o mundo dos negócios, da edição. E começámos um pouco como brincadeira, porque sentíamos de facto a necessidade de haver algum mecanismo de compra e venda de livros académicos usados, e foi por aí que começámos. Era a parte mais fácil para nós, e começámos a comprar, a vender, uma coisa muito artesanal. Depois amadurecemos a ideia e surgiu a possibilidade. Eu já tinha escrito, editado, apresentado e vendido na Feira do Livro do Algarve, portanto tinha mais ou menos a noção de como é que funcionava o negócio. Então surgiu a possibilidade e avançámos pelas duas vertentes. Não foi complicado, porque fomos financiados em crowdfunding, o PPL ajudou-nos imenso a estruturar a ideia de negócio, e depois concorremos ao Concurso de Ideias da Universidade Nova de Lisboa, e ganhámos o primeiro prémio. Ganhámos também o primeiro prémio na Next Big Idea, um concurso da SIC Notícias. Tivemos reuniões com CEO’s importantes, de empresas grandes, tivemos ajuda a definir o nosso plano de negócios e a nossa ideia. Portanto o processo foi muito simples, aconteceu por si.
Com esses prémios obtiveram também ajuda a nível económico?
Sim, principalmente o Concurso de Ideias, que foi um prémio pecuniário de €4000, e também nos cederam um escritório durante um ano, se não fosse isso dificilmente teríamos conseguido, a nível financeiro, arrancar com o negócio.
Vocês têm algum critério editorial para publicação, dedicam-se a algum género em específico?
Nós não temos áreas temáticas nem coleções definidas. O único critério que temos é ser um novo autor. O que entendemos por novo autor não tem a ver com uma questão de idade, é uma questão de ser novo neste mercado, ou seja, claro que depois depende caso a caso, mas que não tenha mais que duas obras lançadas no mercado.
Como é que vocês fazem a publicação?
O nosso posicionamento de mercado é colmatar as falhas que as editoras normais têm, que é não apostarem nos novos formatos. Claro que o nosso formato principal será sempre o livro impresso, o normal será isso, mas nós apostamos sempre em novos formatos. O livro que estamos a lançar agora, será impresso, será em e-book e será em audio-book. Todos os autores que nós temos, claro que é um processo negociado, mas tentamos sempre que tenham um espaço on-line, um blog, para o autor ir colocando textos e interagir com o público. Nós queremos abrir o mercado às novas tecnologias.
De que forma é que a Livros de Ontem insere os livros que publica no mercado?
Nós temos uma abordagem, da qual há pouco falei, que é não termos coleções, não temos esse tipo de coisas, nós temos uma abordagem centrada em cada livro. Cada livro ém um livro, cada caso é um caso, e isto funciona para tudo. Cada livro é trabalhado graficamente consoante o conteúdo, o autor, aquilo que o caso pede, e o mesmo se aplica à estratégia de marketing. Cada livro terá a sua estratégia de vendas, a sua estratégia de apresentação ao público. Por exemplo, este livro que estamos agora a editar, “Nós, Vida”, está a ser financiado através de crowdfunding, não por uma questão financeira, mas porque sentimos que é necessário aproximar o livro dos leitores. Isto é uma forma diferente de apresentar o livro ao mercado, aproximando muito mais o livro do leitor, porque o leitor tem uma relação diferente com um livro que financiou, que conheceu o autor previamente, que recebeu um livro diferente daquele que irá entrar para o circuito comercial. Nós agora vamos fazer uma edição limitada e numerada de 500 livros, todos autografados pelo autor, e as pessoas que apoiarem em crowdfunding terão o seu nome escrito no interior do próprio livro, num espaço a indicar que o livro foi financiado, e depois com o nome de toda a gente. Com este livro estamos a apostar numa abordagem de proximidade, em detrimento de o colocar em livrarias e distribuidoras de grande nome nacional.
A editora lançou agora também uma revista, a Diverge. Fala-nos um pouco sobre isso.
Um dos nossos primeiros projetos foi essa revista, que é uma revista cultural sobre as diversas áreas, como cinema, literatura, música, teatro, televisão. Foi um projeto que nos foi apresentado por dois jovens que trabalham na área do cinema em Portugal, eles tinham esta ideia, não sabiam como haviam de fazer, abordaram-nos, nós achámos que era uma ideia ótima, e entrámos com eles nessa produção. Lançámos agora o número 0, já saiu on-line e foi também impresso.
E tu, tens novos projetos na área da escrita?
Eu mantenho um blog ativo, agora vou abrir outro, onde penso juntar todas as crónicas que eu tenho feito, porque eu tenho escrito em duas vertententes, tenho escrito de uma forma criativa, textos para o meu blog, e tenho escrito de uma forma crítica, mais do ponto de vista de editor, para blogues como o Espalha-Factos, para o P3, e nessas crónicas tento abordar o mercado, tento desmistificar isto tudo, porque ninguém sabe quem são os editores, ninguém sabe quem são as editoras, ninguém sabe como funcionam, ninguém sabe como é a estrutura, e eu tento mostrar o lado humano que há por trás de uma editora. Portanto agora vou abrir outro blog onde pretendo juntar todas essas críticas que eu vou fazendo. E na revista que lançamos sou responsável pela parte da literatura, onde faço análise crítica de obras. Entretanto vou tentando escrever projetos criativos, tenho um livro que vou escrevendo, mas é complicado, tenho muito pouco tempo.
És tu que escolhes os livros aos quais fazes críticas? Tens algum critério?
Sim sim, sou eu que escolho. Claro que escolho sempre de acordo com o foco da revista, que é muito português, a ideia é divulgar a cultura portuguesa. Há muito boa cultura em todos os setores, o único problema é não ser divulgada, os meios de comunicação não divulgam, e quando divulgam não é da melhor forma, não divulgam em quantidade nem em qualidade, e é essa a nossa proposta de valor. Portanto tento sempre fazer as minhas críticas nesse sentido, e normalmente aposto mais em pequenas editoras, em micro-editoras, em autores independentes também. O trabalho dos grandes autores já toda a gente conhece, já fala por si, é importante divulgar o trabalho das pessoas que não são conhecidas.
Na escrita das crónicas, achas que o facto de estares um pouco dos dois lados, enquanto escritor e editor, te ajuda a ter uma outra perspetiva das coisas?
Tenho as duas perspetivas, tenho essa vantagem. Se bem que depois também perco um bocado por não ter mais contacto nenhum com outras editoras. O meu conhecimento das outras editoras, pela parte de dentro, é um pouco limitado, porque eu nunca cheguei a ser editado por nenhuma editora, a minha experiência é a de ter sido recusado daquela maneira, por todas em geral, e é o que eu analiso de como é que se comportam as editoras no mercado, as estratégias que elas adotam.
Estando dos dois lados, enquanto escritor e enquanto editor, que conselhos darias a um jovem que queira ser escritor em Portugal hoje em dia?
Se quer ser rico, que vá para outro negócio! Se quer editar um livro, que procure uma pequena editora, porque por definição e também por organização estrutural estão mais abertas a novos autores. Mas também que tenha dignidade, que não entre em esquemas de publicação... não estou a falar de publicação de autor, que eu isso apoio, aliás, eu próprio lancei o meu livro nesse regime, é um regime que eu admiro e que gosto bastante. Tem as suas dificuldades, em dar a conhecer a obra, dificuldade de inserção no mercado, dificuldade por ter de se fazer o percurso todo, não só tenho de escrever a obra como tenho de estar preocupado em editá-la, fazer a capa, fazer a paginação, vendê-la. Tirando essa parte negativa é bom, porque o autor tem o controlo sobre todo o seu livro. Essencialmente, que tente apresentar o seu projeto a uma pequena editora e que não se limite a enviar o livro e esperar que se faça um milagre. É preciso haver todo um trabalho por trás, é preciso começar a divulgar por si próprio o livro, é preciso mostrar atitude, dinamismo, é preciso criar um blog, uma página de Facebook, algum mecanismo de contacto com o público. Não é só escrever um livro e esperar que seja um best seller, é preciso que a editora sinta que o autor tem de facto interesse naquilo, que não é um autor esporádico, que não está a fazer aquilo só por divertimento, tem que sentir que o autor quer fazer uma aposta sólida na área.
Achas que faltam bons escritores portugueses?
Não. Acho que falta uma abordagem digna ao livro, da parte de todos os atores envolvidos. Da parte dos escritores, que devem exigir os seus direitos, devem exigir ser tratados dignamente, mas que também devem dar a outra face, devem responsabilizar-se pelo seu trabalho, devem dar a cara pelo seu trabalho, o que muitas vezes não acontece também. Da parte das editoras, que também têm feito quase tudo errado, a nível da forma de relacionamento tanto com os escritores como com os leitores, têm abordado o mercado de forma totalmente errada, do nosso ponto de vista. E também da parte dos leitores, que não têm facilitado muito esta valorização, esta dignificação da escrita, exatamente porque não têm espírito de aposta em novos autores, em novas editoras, em novos projetos... isto claro, de uma forma genérica. Todos têm a sua quota parte de responsabilidade. Há uma habituação por parte dos leitores, que se habituam a ler só aquilo que é comunicado como um best seller, há uma habituação da parte das livrarias, que são um negócio e como todos os outros querem vender o máximo, e portanto optam por dar mais destaque aos best sellers, há uma habituação da parte das editoras, que em vez de apostarem no mercado nacional, apostam mais em comprar os direitos de obras estrangeiras, e isto cria uma habituação de mercado, se for feito durante muitos anos, e já não sabem fazer de outra maneira, ou já não querem, ou já não podem. E portanto a escrita portuguesa fica muito confinada a um círculo restrito, e há muito pouco espaço para inovação.
Mas consideras que existe um problema “crónico” português, uma certa rejeição à cultura portuguesa em geral?
É estrutural, é claramente um problema estrutural, e transversal a toda a cultura portuguesa, e é muito por isso que a revista Diverge entra em todos esses temas, porque nós sentimos que há esse problema em todos os setores, digamos assim. O que eu tenho um pouco de dificuldade é em atribuir a culpa desse estado de coisas, custa-me identificar um ator como o principal culpado, penso que é um ciclo e todos têm uma parte da culpa deste estado de coisas. Se nós pensarmos bem, isso é muito prejudicial para nós, porque se nós continuamos sempre a apostar, tanto da parte das editoras como da parte dos leitores, nos mesmo autores, e autores estrangeiros por norma, não há incentivos para os autores portugueses crescerem ou sequer se dedicarem a isto. E portanto, é cada vez mais difícil para os novos autores conseguirem inserir-se no mercado, porque não há ninguém que esteja a apostar neles, e isso é muito preocupante, porque pode eventualmente matar o mercado, matar a escrita portuguesa, a cultura portuguesa.