O tributo ao autor de "O último papa", falecido aos 39 anos. A entrevista que mostra o homem enigmático e sereno que nos deixou e cuja sensibilidade literária e dramática era levada ao limite. Para recordar:
“O Último Papa” está editado em mais de 70 países, 55 dos quais adquiriram os direitos de publicação, mesmo antes de o livro estar pronto. Ainda assim, como explica que o seu nome não seja conhecido de muitos portugueses?
Luís Miguel Rocha — Não creio que 70 mil leitores em Portugal (vendas d’ “O Último Papa” e “Bala Santa”) signifiquem que sou desconhecido. É certo que não frequento os círculos literários, não vou a feiras do livro, faço poucas apresentações, apareço pouco na televisão e, esporadicamente, nos jornais. Mas é assim que me sinto bem.
O livro vendeu quase 1.000.000 de cópias e vai ser adaptado ao cinema. A este sucesso não são alheias a polémica e as revelações sobre a morte do Papa João Paulo I. É verdade que, na sua investigação, teve acesso ao diário do Papa e a fontes do próprio Vaticano?
LMR — Sim. Mas, ressalvo que escreveria o livro, mesmo sem qualquer prova. O reino da ficção permite-me escrever sobre o que quiser como bem entender. O facto de ter tido acesso a provas serviu apenas como motivação e alerta para o trabalho que estava a fazer enquanto escrevia. E, verdade seja dita, até o Vaticano olha para os meus livros com respeito redobrado.
Criou um enredo literário (thriller) onde se cruzam, entre outros, Albino Luciani (Papa João Paulo I), JC, a Irmã Lúcia e uma organização, com ligações obscuras, conhecida como “Loja P2”. Sentiu uma responsabilidade acrescida ao escrever sobre estas pessoas?
LMR — Não. Estava muito seguro de como fazê-lo. Sabia que a minha única liberdade estava nas personagens ficcionais, quanto às reais, limitei-me a descrever as suas atitudes tal e qual aconteceram na época. Não me desviei um milímetro.
Apesar de não abordar directamente a religião, não receou mexer com alguns dos assuntos, que podem ser considerados temas tabus, não só pela Igreja, mas pela maioria dos católicos?
LMR — O livro não é, de todo, religioso. Fala apenas de homens e das acções deles. Todos os homens são falíveis, mesmo os Papas. Claro que é um tema que permanece incómodo para a Igreja, entre muitos outros. As muralhas de secretismo, em que a Santa Sé se resguarda, só prejudicam a sua relação com os crentes.
“A Bala Santa”, que tem como base o atentado contra o Papa João Paulo II, surgiu na mesma linha d’ “O Último Papa”. Quantos livros mais irão fazer parte desta “série do Vaticano” e para quando está prevista a sua publicação?
LMR — Já há um terceiro escrito, intitulado “A Mentira Sagrada”, que será publicado em 2011, nos EUA. Posteriormente, um por ano, até 2013, para já.
Tem uma equipa de jornalistas a trabalhar consigo na investigação e na recolha de documentos. Escreve sobre todas as descobertas que fazem, ou já aconteceu deparar-se com casos tão surpreendentes, que preferiu mantê-los em segredo?
LMR — Não escrevo sobre todos. Na verdade, escrevo sobre os casos com menos melindre e menos sensíveis. Há matéria sobre a qual jamais escreverei uma palavra. Tenho a consciência de que há assuntos realmente proibidos.
É público, que a sua casa foi assaltada, presumivelmente, para o impedirem de revelar a verdade sobre “O Último Papa”. Alguma vez temeu pela sua vida, por causa daquilo que escreve?
LMR — Nunca temi pela minha vida. Isso foi um acontecimento isolado com contornos estranhos, mas que não voltou a acontecer, nem voltará.
Pretende elaborar uma trilogia, a partir do livro “A Virgem”. Fale-nos deste projecto ficcional e, por isso, diferente do registo histórico das duas outras obras.
LMR — É muito diferente do género thriller. Trata-se de uma saga histórica que pretendo concluir já no segundo livro. É um cenário em que me sinto muito à vontade, em que a imaginação conta mais do que tudo o resto, ainda que se esteja a falar do período final da Monarquia e início da República e, posteriormente, a instalação do Estado Novo. Gosto imenso dessas personagens.
LAfirmou, numa entrevista, que só tem êxito em Portugal, porque o fenómeno da sua escrita nasceu no estrangeiro e que há um grande entrave aos autores portugueses. Mantém essa convicção?
LMR — Sim. Os leitores portugueses não gostam muito de arriscarem ler coisas novas. Preferem jogar pelo seguro, ler autores já consagrados ou outros que tenham muito mediatismo na sua vida corrente. Os portugueses que arriscavam o desconhecido desapareceram depois de 1500. Agora só jogamos pelo seguro.
Enquanto editor da “Mill-Books”, dá primazia aos novos autores. Acredita, porém, que possa haver, por parte de certas editoras, preconceito em relação a estes?
LMR — Não só por certas editoras, como, também, por um número crescente de livreiros e leitores.
Há algum ou alguns escritores emergentes portugueses, que queira destacar?
LMR — Carlos Almeida, autor de um livro fenomenal intitulado “Os senhores da vida e da morte”. O Prof. Daniel Serrão classificou o livro como extremamente bem escrito. É uma voz a ter em conta no futuro. No campo da literatura fantástica destaco o Rui Sequeira, uma voz a ter em conta no futuro, nacional e internacionalmente.
L&L — “A crítica em Portugal é prejudicial à economia”. Explique esta sua afirmação e o tipo de relacionamento que tem com os críticos nacionais.
LMR — Não tenho qualquer relação. Crítico é uma conotação simpática para rotular um malandro. É alguém que tem vergonha de responder “Leio livros” à pergunta “O que fazes?”. Assim como na religião, onde não precisamos de intermediários entre o crente e o criador, também nos livros, ou filmes ou outro género de arte, não necessitamos de intermediários que nos digam se é bom ou mau ou se podemos ler. Nada substitui a nossa cabeça e a nossa própria opinião.
Duas das suas obras encontram-se, nalguns países, em formato de ebook. Disse que o futuro será o suporte digital e que os livros tornar-se-ão objectos de museu. O que pensa, então, de todas as acções de promoção, desenvolvidas em torno do livro?
LMR — O ebook já é mais vendido nos EUA do que o livro em papel. Não me parece que se trate de um caso isolado. Uma vez conquistada a Europa, o que ainda não aconteceu, a proliferação do ebook perdurará, ganhando terreno ao livro em papel, que é mais caro produzir. É uma questão de tempo. Os meus livros começarão, também, a poder serem lidos em alguns telemóveis e Ipad, em Portugal e um pouco por todo o mundo, nos próximos meses.
Actualmente, que influência e que importância assume o marketing na carreira de um escritor?
LMR — Muita. Acabou o tempo em que um escritor só escrevia. Hoje em dia, nem entrar na lista de best-sellers do NY Times é suficiente. Actualmente, um escritor tem, também, de ser vendedor.
Fonte: Livros e Leituras
Análise de Daniel Fernandes, João Moura e Sandra Baptista