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As Grandes Novidades da Literatura Portuguesa


Novos escritores angolanos

 

 

Os novos escritores angolanos. A força e a expressão de uma natureza literária bela. 

 

O que o exercício da escrita representa para si? Gozo? Angústia? Refúgio?
Manuel Rui – Representa apenas tudo. O favo, o voo da abelha e o mel. Escreve-se porque primeiro se gosta de escrever, em segundo porque se sabe, em terceiro porque se pretende um relacionamento com quem nos lê. É uma espécie de relação quase erótica: escrevo, tenho o prazer de escrever e depois quero que me devolvam esse prazer através da leitura. O mesmo que palmas e tambores para um contador oral, um griô. Obviamente, pode-se escrever por encomenda, por necessidade, por mil e uma razões, o importante é que se tenha talento. Os grandes monumentos, as grandes obras de arte, foram encomendadas e nem por isso deixam de ser obras de arte. O que está em causa sempre para se escrever é o talento, a opção de como se escreve, porque se sabe que essa opção é nossa e porque se sabe escrever. Eu diria, como alguém disse, há muita gente que escreve e alguns escritores. Tem uma coisa lá no fundo do pôr-do-sol: gente com talento, por aí perdida, não sabendo ler nem escrever… e às vezes vendendo jornais…

JC – O talento, sobretudo no caso dos que escrevem ficção, tem de ser acompanhado com auto-disciplina, auto-organização?
MR – Isso é outro ângulo. Se me fizerem a encomenda de um texto, um ensaio, para uma revista, de borla por paixão ou a pagar, eu escrevo na hora. Não tenho a autodisciplina de escrever todos os dias, infelizmente. Escrevo quando tenho mesmo vontade e prazer de escrever. Repare nesse pormenor: eu escrevi o romance “A Trança” e quando acabei, de alegria, escrevi um poema dedicado ao livro; é uma espécie de êxtase daquilo que havia feito.

JC – A partir do momento em que começa a escrever, o livro já pré-existe na sua cabeça?
MR – Há várias maneiras de eu começar. Numa, o livro já está todo na cabeça mas depois pode sofrer alterações. Já houve personagens minhas que tinham um percurso definido, começaram a libertar-se desse percurso, a soltar-se, a fazerem o que queriam, que eu tive que as matar. As personagens começam a libertar-se, o livro começa a ser ele próprio, a ter a sua própria existência como se não fosse feito por mim. Há outros livros que começo a escrever sem saber aonde vão acabar. O “Quem me dera ser onda” não tinha estória, ela foi andando por si, foi-se soltando. A mundividência era tal, tinha tanta coisa à volta que foi uma espécie de chuvada que fez aumentar um caudal de um rio que eu ainda não sabia qual era a foz. E, verdadeiramente, não teve foz, porque o livro é aberto.

JC – “Quem me dera ser onda” captou uma vibrante realidade social, que hoje já se pode considerar histórica. Olhando à volta dá para pensar que aquela realidade social continua aí, ou tende a reemergir?

MR – Penso que não é ou nem é tanto isso. É um canto de esperança, é a visão de um futuro que se avizinha com classes dominantes, como é o caso do cipaio terrível que maltrata os filhos, hostiliza a mulher por causa da carne (a metáfora da riqueza). Por outro lado, é o princípio de qualquer coisa que nos marcou, que foi a ideologia do marxismo-leninismo, que a maioria não sabia o que era mas se tinha a ver com liberdade, igualdade, já era qualquer coisa de bom. Parecia que se pretendia uma sociedade meritocrática. Depois vai chegar o momento, depois do “Quem me dera ser onda”, em que se deitou pela janela fora a ideologia marxista mas ficou-se com algumas esquizofrenias que vieram do Leste, de tipo stalinista: fenómenos como a DISA, a perseguição política, os editoriais permanentes na Rádio Nacional, etc., a que “Quem me dera ser onda” sub-repticiamente faz referência quando o porco é obrigado a ouvir tudo o que a Rádio Nacional dá, porque o patrão lhe colocou os auscultadores nos ouvidos. O livro inicialmente não conseguia sair e foi posto num concurso (Prémio Sagrada Esperança) com aquelas regras do envelope fechado com a identidade do autor. Teve outros tropeções até conseguir ser publicado com a imposição de que tinha que vir com um prefácio a dizer que o livro era contra a pequena burguesia. Vivia-se esse absurdo, ninguém se interrogava: se havia uma pequena burguesia aonde estava a burguesia?