O escritor angolano José Eduardo Agualusa, de 46 anos, é um entusiasta da integração cultural dos países de língua portuguesa. Em seu novo romance, As Mulheres do meu Pai (Língua Geral), conta a história de uma portuguesa que parte para uma viagem ao sul da África em busca de suas origens. Autor de 13 livros (sete publicados no Brasil), é sócio da editora brasileira Língua Geral, que privilegia obras escritas em português. Agualusa recebeu nesta semana o Prêmio de Ficção Estrangeira do jornal inglês Independent pela obra O Vendedor de Passados (Gryphus).
Por que escolheu o Brasil para o lançamento de As mulheres do meu pai? Em que outros países ele será lançado?
José Eduardo Agualusa - Não chegou a ser uma escolha. Aconteceu simplesmente que a Língua Geral foi mais rápida do que a D. Quixote, a minha editora portuguesa. Assim, o livro será lançado primeiro no Brasil, em maio, e em junho em Portugal. Espero poder apresentá-lo ainda este ano em Angola.
Por que foi publicado no selo Ponta-de-Lança, de autores novos e desconhecidos? Você não é exatamente um autor estreante...
Agualusa - Tem toda a razão. Provavelmente teremos de criar uma outra colecção, para autores mais conhecidos e não iniciantes, inclusive porque prevemos lançar muito brevemente autores africanos e portugueses já bem conhecidos nos seus países.
A Língua Geral tem como proposta dar voz aos autores que escrevem em língua portuguesa. Além da língua, o que os autores africanos, portugueses e brasileiros contemporâneos têm em comum, na sua opinião?
Agualusa - Existem, evidentemente, memórias comuns. Africanos e brasileiros partilham toda uma memória da escravatura, e práticas culturais de raiz africana, que vão da música à culinária. Nenhum angolano, de Luanda ou de Benguela, se sente estrangeiro ao desembarcar em Salvador, no Recife, ou no Rio de Janeiro. E acho que um carioca ou um baiano se consegue adaptar também, com relativa facilidade, à vida em Luanda. Para um português será sempre um pouco mais difícil.
A literatura africana em português está vivendo uma supersafra? Quem apontaria dentre os novos escritores?
A língua portuguesa está sendo enriquecida com trabalho dessas pessoas? Agualusa - Não. A literatura portuguesa, essa sim, está passando por uma fase absolutamente extraordinária. Quase todos os meses surge um novo escritor, e entre esses escritores mais jovens há alguns muitíssimo bons. Estou a pensar, por exemplo, no Gonçalo M. Tavares, o qual, aliás, nasceu em Luanda, ou no José Luís Peixoto. Ainda ontem apresentei o primeiro romance de um jornalista, o Francisco Camacho, cuja ação decorre em Moçambique. Um primeiro romance, chamado Niassa, que não parece um primeiro romance. É um romance enxuto com uma linguagem própria, uma coisa invulgar. E a Língua Geral estará lançando no Brasil, nos próximos dias, um romance de um jovem autor português de origem sueca, o Miguel Gullander, igualmente muito bom. Muito forte. Diferente de tudo. Acho que esta produção reflete por um lado um longo investimento na cultura e, por outro, a nova realidade de um país onde se misturam pessoas vindas de todos os continentes. Em África, infelizmente, estamos a pagar o preço do desleixo governamental relativamente à cultura. Não se investiu nada, nos últimos anos, nem em bibliotecas públicas, nem no apoio à edição. Nem sequer na educação básica. Temos uma realidade riquíssima, grandes estórias, mas faltam-nos pessoas com preparação para as transportar para o papel.
Época - As conexões culturais que você propõe em seus livros não parecem visíveis no Brasil. Você acha que no futuro os povos africanos e brasileiros terão mais consciência de suas ligações e dos proveitos que elas podem trazer?
Agualusa - Não são visíveis apenas para quem esteja de olhos fechados e de ouvidos tapados. O Brasil é claramente, ou escuramente, um país de matriz africana e é essa matriz que seduz os estrangeiros. Um estrangeiro vem ao Brasil à procura da música, do candomblé, da capoeira, do carnaval, e tudo isso remete a África. Sem África o Brasil seria uma outra coisa qualquer, provavelmente um lugar muito triste e melancólico, mas não seria o Brasil. Estou convencido de que para se revitalizar, para se renovar, para ganhar a força de que necessita de forma a enfrentar o futuro, o Brasil tem de redescobrir África. Tem de voltar a beber da fonte primordial.
Dentre os escritores de língua portuguesa que o influenciaram, destacaria mais brasileiros ou mais portugueses?
Agualusa - Os brasileiros - se excluirmos o Eça de Queirós, sempre mais amado, aliás, no Brasil do que em Portugal, e que teve uma ama brasileira, pernambucana, e um escudeiro negro, que, segundo ele próprio testemunhou, lhe contavam estórias. Eu acho que a ironia do Eça, acho que ela a foi buscar ao Brasil, foi buscá-la a África, lhe chegou através dessa ama e desse escudeiro. Na minha adolescência li muito o Jorge Amado. Mais tarde descobri a Clarice Lispector e depois Rubem Fonseca e João Ubaldo Ribeiro. Todos estes autores me marcaram muito. Sempre acompanhei com grande atenção a literatura brasileira.
Em As mulheres do meu pai, uma portuguesa nascida em Moçambique retorna à África para a buscar a história de seu pai. Esse movimento de "contrafluxo" está se tornando mais comum entre europeus de origem africana, que querem descobrir seu passado? Por quê?
Agualusa - Não creio que seja algo tão comum, mas acontece. Há exemplos disso na música. Uma grande cantora, como a Lura, de origem caboverdiana, aprendeu a falar crioulo já adulta, e hoje é vista mais como cabo-verdiana do que como portuguesa. Naturalmente, é as duas coisas. É uma boa portuguesa e uma boa caboverdiana. Podemos dizer o mesmo da Mariza, também ela mulata, portuguesa e moçambicana, e que soube renovar o fado porque trouxe para fado a sensualidade africana. Antes da Mariza o fado era a preto e branco e não tinha curvas. Em Portugal um afro-descendente é constantemente questionado acerca da sua origem. Isso por vezes magoa. A pessoa sente-se excluída e começa a buscar uma outra identidade. Alguns jovens portugueses, negros, voltam-se para o hip-hop, para o rap, para a cultura dos negros norte-americanos. Outros voltam-se para a cultura dos seus pais. Parece-me um movimento mais inteligente.
Fonte: Revista Época (fonte secundária: Quem News)